Milhares de presos poderão cumprir pena em casa por falta de vaga em presídios.


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo 


Milhares de presos poderão cumprir pena em casa por falta de vaga em presídios.


A falta de vagas em presídios brasileiros para o cumprimento de pena em regime semiaberto tem provocado uma polêmica nos nossos tribunais. Isso porque, não raro, os juízes têm decidido que, diante da falta de vagas no regime intermediário, os detentos que teriam direito de descontar a pena naquele regime não podem permanecer no fechado e, por isso, devem ser transferidos ou para o regime aberto ou para a chamada “prisão domiciliar”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está perto de julgar um recurso interposto nos autos de um processo iniciado no Rio Grande do Sul, relativo a um presidiário que foi mandado para casa por falta de vaga no semiaberto. Com a decisão, os ministros vão orientar a conduta de juízes em casos semelhantes. A repercussão geral do caso já foi reconhecida pelos ministros do STF e, se mantida a decisão favorável ao condenado, mais de 23 mil presos que hoje cumprem pena no fechado, de forma inadequada, poderão solicitar o benefício e voltar para casa ou para as ruas, em regime aberto.
Infelizmente, por conta das mazelas do nosso (medieval) sistema carcerário, esse problema inerente à falta de vagas no regime semiaberto não é novo e, creio, está longe de ser resolvido.
É preciso esclarecer que, no nosso atual sistema penal, três são os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto e aberto. Sem aqui adentrar nas características de cada um deles, fato é que o sistema progressivo de penas é importante ferramenta para ressocializar e recuperar o preso, até que ele possa voltar ao normal convívio em sociedade.
Até mesmo por isso, ou seja, como a recuperação do cidadão preso não ocorre da noite para o dia, a Lei de Execução Penal (LEP) proíbe que a progressão se dê per saltum, ou seja, do fechado diretamente para o aberto. Contudo, pela falta de vagas no regime semiaberto, surge para o Estado um problema difícil de resolver, qual seja, o que fazer com o preso que tem direito de cumprir a pena em regime semiaberto?
Diante dessa indagação, surgiram duas correntes de pensamento, absolutamente antagônicas. De acordo com os adeptos de um Direito Penal mais restritivo e legalista, em não havendo vagas no regime intermediário, não pode o Estado “progredir” o detento diretamente para o regime aberto, pois assim estaria sendo violada não só a LEP como também o princípio da segurança jurídica, na exata medida em que estaria sendo (re)colocado no convívio social um cidadão ainda não devidamente recuperado.
De outro lado, forte no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, há uma corrente mais liberal e humanista que defende a tese de que o preso, por não ser o culpado pela falta de vagas no regime semiaberto, não pode pagar o preço pelo descaso estatal. Sendo assim, a manutenção de um preso no regime fechado, quando é certo que uma sentença lhe garante o direito de descontar a pena no regime semiaberto, importa em constrangimento ilegal e demanda, pois, a sua imediata remoção ou para o regime aberto ou para o regime de prisão domiciliar, onde deverá permanecer até que surja uma vaga no regime apropriado.
Particularmente, entre o formalismo da letra fria da lei e o integral respeito à dignidade da pessoa humana, prefiro ficar com a segunda corrente, por ser a mais justa e coerente com um verdadeiro Estado Democrático de Direito, já que assegura ao cidadão, no mínimo, o direito de cumprir a pena da forma e modo que lhe foram aplicados, e garantidos, por uma sentença judicial.