ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo
Em cartas de próprio punho ao Supremo, presos pedem liberdade
Em cartas de próprio punho ao Supremo, presos pedem liberdade
Eles reivindicam direitos negados pela Justiça. Este ano, 14 casos foram
atendidos.
Em carta de próprio punho ao Supremo,
presos pedem liberdade – de acordo
com o artigo 41-inciso XIV -
representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; e
artigo 5º da constituição federal –inciso XXXIV - são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes
públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal;
BRASÍLIA - “Pergunto ao egrégio tribunal por que estou preso e condenado
a dez anos e dez meses de reclusão? Onde estão as provas, egrégio tribunal?” O
questionamento foi formulado por Wellington Januário de Jesus ao Supremo
Tribunal Federal (STF), em carta escrita à mão. O endereço do remetente
veio
expresso no envelope: Ala C, cela 30 do Centro de Detenção provisória de
Santo André, em São Paulo. O preso não tem advogado, nem foi atendido pela
defensoria pública. Ainda assim, a carta foi registrada no tribunal como pedido
de habeas corpus, que será julgado em plenário.
A carta de
Wellington não é a única. Somente este ano, chegaram centenas à Central de
Atendimento do Cidadão do STF. Os servidores selecionam os textos que apresentam
fundamentos jurídicos e dados concretos para oficializar a tramitação do pedido
como processo judicial. Em 2014, dos 384 habeas corpus concedidos pelo
tribunal, 14 foram ajuizados pelo próprio réu, sem a intermediação da defesa
formal.
Na carta enviada ao STF, Wellington conta sua saga. Segundo o próprio,
ele estava em casa com a mulher e o filho, quando policiais entraram sem um
mandado de busca e apreensão. Foi preso e condenado por tráfico de
drogas. O preso conta que a condenação baseou-se em escutas telefônicas que
nunca foram apresentadas à Justiça. Ao STF, ele pede sua libertação. “Sou
casado há seis anos e tenho um filho de cinco anos que depende de mim.
Minha família depende de mim”, argumentou.
Réu relata
‘profundo desespero’
“A única
explicação para essa injustiça e violência que sofro é que devo ter sido
confundido com outra pessoa. Estou profundamente desesperado, pois estou
condenado por tráfico de drogas sem ter cometido esse crime, ou seja,
completamente inocente. Os policiais que me prenderam disseram que eles tinham
uma escuta telefônica que me ligava aos fatos. Até hoje essa tal escuta não foi
apresentada em juízo, se é que realmente existe”, escreveu.
O pedido de
Wellington de Jesus chegou ao STF em 18 de novembro e não foi julgado. Também
aguarda julgamento o habeas corpus pedido por Cleverson Eduardo
Firmino, preso na Penitenciária Compacta de Irapuru, em São Paulo. Segundo o
processo, ele foi condenado a cinco anos, onze meses e onze dias. Alega ter bom
comportamento e já deveria ter sido transferido para o semiaberto, no qual o
preso pode conseguir o direito de trabalhar durante o dia e voltar para a
cadeia à noite.
“Ressaltando
ao nobre julgador sobre a superlotação e o caos do sistema prisional e a grande
demanda de pedidos, é constrangimento ilegal o requerente aguardar em média
seis meses uma vaga no estabelecimento adequado e menos rigoroso”, escreveu
Firmino na carta. O pedido chegou ao tribunal em 19 de novembro e não há
previsão de quando será decidido.
STF acolheu
pedido e reduziu a pena
Entre os
habeas corpus concedidos, está o de José Fábio de Matos, julgado em fevereiro
deste ano. Ele foi condenado por extorsão praticada mediante violência e pediu
a diminuição da pena, porque ela teria sido fixada acima do limite para
um réu primário. O tribunal concedeu o pedido e determinou que o juiz de
execuções fizesse novo cálculo da pena.
Segundo o
processo, em março de 1999 José de Matos estava na carceragem do Departamento
de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio, em São Paulo, e, com
outros três presos, torturou outro preso para conseguir dinheiro. Por várias
horas, a vítima levou chutes, pontapés, socos, pauladas, foi queimada e levou
choques elétricos. Deixou a cela com o rosto deformado. O juiz da primeira
instância concluiu que José de Matos comandou a ação.
Pelo novo
crime, o réu foi condenado a onze anos e oito meses de prisão, em regime
fechado, pelo crime de extorsão praticada mediante violência. “Todos os réus
têm péssimos antecedentes. Todos estão presos. Todos agiram de forma sádica ao
espancar a vítima, ou ao comandar o espancamento”, concluiu o juiz da primeira
instância.
No cálculo
da pena, o juiz considerou a reincidência do réu para aumentar a pena. A defesa
entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo alegando que, à época do
segundo crime, José de Matos estava preso, mas ainda não tinha sido condenado
em última instância pelo primeiro crime cometido. O TJ concordou com o
argumento e diminuiu a pena para dez anos, dois meses e 15 dias de prisão.
Ainda
insatisfeito com o resultado do julgamento, o réu entrou com novo recurso ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) — dessa vez, sem o intermédio de um
advogado. Teve o pedido negado. Insistiu em outro recurso no STF, também
com texto escrito de próprio punho. Obteve vitória no julgamento da Segunda
Turma.
— Verifico a
existência de constrangimento ilegal que precisa ser corrigido, pois, realmente,
o impetrante, à época do crime, era tecnicamente primário, na medida em que não
tinha em seu desfavor nenhuma decisão penal condenatória transitada em julgado
— afirmou o relator, ministro Gilmar Mendes, no julgamento.
Habeas
corpus propostos por presos no passado tiveram força para mudar a
jurisprudência do STF. Em fevereiro de 2006, o tribunal julgou o pedido do
preso Oséas de Campos, condenado a 12 anos e três meses de prisão por molestar
três crianças. Os ministros decidiram, por seis votos a cinco, que é possível
haver a progressão de regime para condenados por crimes hediondos.
Antes do
julgamento, o assunto era regido por um artigo da Lei 8.072, de 1990 que
proibia a progressão nesses casos. A lei foi considerada inconstitucional. Para
a maioria dos ministros do STF, a progressão de regime deve ser analisada caso
a caso. A lei, portanto, seria uma afronta ao princípio da individualização da
pena.
— Esse
movimento de exacerbação de penas como solução ou como arma bastante ao combate
à criminalidade só tem servido a finalidades retóricas e simbólicas — disse o
ministro Sepúlveda Pertence, hoje aposentado.