Mulheres e parentes de presos criam produtos e fazem sucesso em cadeias

ONG  Pacto  Social  & Carcerário  São Paulo




Mulheres e parentes de presos criam produtos e fazem sucesso em cadeias: ‘Já comprei apartamento e carro’

Camisa feita por Joyce Pratti.
Camisa feita por Joyce Pratti. Foto: Reprodução/Facebook

Quando o filho foi preso por latrocínio (roubo seguido de morte) em 1994, no extinto Carandirú (zona Norte de São Paulo), dona Wilda Pereira, de 64, tinha todos os motivos para se trancafiar no próprio desgosto. Mas tinha que pagar as contas, e resolveu investir nas bolsas jumbo, único material que pode entrar numa cadeia. Junto com a filha, a dona Wildinha já comprou imóvel e carro e vende cerca de 5 mil produtos por mês.
— Meu irmão passou a juventude inteira lá. Saiu há 5 anos. E minha mãe já trabalhava em frente ao Carandirú vendendo café, bolo. As meninas ficavam dormindo na porta e começaram a pedir pelas sacolas. Quando vi, minha mãe estava com uma banca enorme. Ela vendia tudo que a mulherada levava para os presos — explica Juliana Pereira, de 34 anos, que aceita encomendas pelo e-mail
A microempresária lembra que sua mãe começou a costurar sacolas resistentes. “As outras não duravam uma semana”, conta. Os negócios começaram a dar certo e o boca a boca fez a mulher ser conhecida no país inteiro.
— Não vendemos só para presídio, porque a bolsa serve para ir à praia, para as criança carregarem brinquedo — lista Juliana, que ajuda a mãe a vender as sacolas na rodoviária da Barra Funda, de onde saem os ônibus para os presídios da cidade, e numa banca próxima à penitenciária Belém, na zona Leste.
— Também fornecemos para outros camelôs. São muitas sacolas. Fico até perdida — brinca a mulher, que enquanto fala uma fila nos Correios para enviar mercadoria para o Paraná e Minas Gerais.


Bolsas feitas por dona Wilda e Juliana Pereira.
Bolsas feitas por dona Wilda e Juliana Pereira. Foto: Arquivo pessoal

Com as vendas (as bolsas variam de R$ 10 a 20), Juliana garante que consegue levar uma vida razoável. Diz que não falta nada, mas também não entrega quanto tira por mês.
—Nossa vida deu uma virada. A renda é bacana, mas não vivemos no luxo. Já compramos nosso apartamento e um carro, aqui mesmo em Lauzane Paulista (zona Norte), onde crescemos. E agora com meu irmão solto, ele também ajuda.
Grife patenteada
Joyce Pratti, de 29 anos, começou a trabalhar cedo com confecção de uniformes e roupas para festas de aniversário, até que o marido, Albano, de 29, foi preso por roubo, há dois anos. Sem poder levar um presente para o pai de suas duas filhas, já que o presídio não permite mimos, resolveu fazer uma estampa romântica, uma espécie de declaração. Hoje, manda camisas, chinelos e até lingerie customizados para todo o país, com etiqueta de sua grife, Do outro lado da grade.
— Na hora que fiz, só pensei nele, mas as pessoas viram, gostaram e achei que seria legal produzir, porque nada entra nos presídios — lamenta a moradora de Vila Ema (zona Leste), que recebe cartas de amor todos os dias do marido.
Além da ajuda financeira, Joyce celebra as novas amizades que substituíram as que se foram após a prisão de Albano. Tudo porque, segundo a vendedora, ela ficou ao seu lado:
— A gente sofre muito preconceito. Não pode falar que é mulher de preso. Por que o marido errou você vai errar? Condenam muito. Por isso criei a marca. Elas podem me procurar e falar o que acontece, sem qualquer tipo de preconceito.


Joyce com uma de suas camisas.
Joyce com uma de suas camisas. Foto: Reprodução/Facebook

Como Juliana, a microempresária prefere não falar em valores, mas garante que consegue se manter com a grife e promete não acabar com o trabalho mesmo após ver o marido livre do presídio de Lavínia, a 8h da capital. Ela cobra R$ 25 por cada camisa, de R$ 10 a R$ 15 as lingeries e R$ 20 os chinelos personalizados.
— Vendo mais do que antes, sem dúvida. Não vou abandonar, até porque cada camiseta que faço é o mesmo amor que sinto pelo meu marido —derrete-se ela, apontando os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Alagoas como seus maiores clientes.
A estudante Aline Silva, de 27 anos, agradece a força de vontade de Joyce.
— É algo diferente. Você sofre muito preconceito. Ninguém vai chegar numa gráfica e explicar que quer homenagear seu marido preso — entrega a moradora de Sapopemba, na zona Leste. Seu marido está preso há dois anos por tráfico e cumprirá mais três: — Já comprei três camisas para mostrar pra ele.


Uma das camisas usadas por Aline Silva.
Uma das camisas usadas por Aline Silva. Foto: Arquivo pessoal

Além de ser cliente de Joyce e Juliana, a recepcionista Tatiana Menezes, de 28 anos, ainda faz questão de estampar o rosto do marido nas unhas.
— Camisa tenho umas cinco e compro bolsa direto. Ele se sente um rei, mas se chocou mais foi com a unha, porque mandei fazer a foto dele —conta, empolgada, a moradora de Mauá, no ABC Paulista. O marido, preso por tráfico em Presidente Prudente (a 9h de sua casa!), ainda não tem previsão de voltar para seus braços e os de seus três filhos.


Tatiana Menezes já tem várias camisas, além de bolsas e películas de unhas.
Tatiana Menezes já tem várias camisas, além de bolsas e películas de unhas. Foto: Arquivo pessoal

A dona das películas de unha é Laís Laino, de 25 anos, que tem vizinhos e amigos presos. Para homenagear o marido, ela estampou o rosto do amado num Dia dos Namorados nos dedos e acabou fazendo sucesso entre este público.
— Minhas unhas sempre chamavam a atenção, porque geralmente escrevia o nome ou alguma declaração. Quando postei essa com uma foto minha e do meu marido, quase não dei conta de responder a todas as mensagens e ligações. Então toda semana comecei a postar no Facebook (peliliculas), mas não era meu trabalho. Um dia recebi uma mensagem de uma guerreira (como as mulheres de presos são conhecidas) elogiando meu trabalho, mas disse que mesmo se fosse barato, ela não tinha condições de pagar. Até chorei, porque eu já passei muita necessidade e resolvi presenteá-la com algumas cartelas — lembra a moradora de Burgo Paulista, na zona Leste.


Película de unha feita por Lais.
Película de unha feita por Lais. Foto: Arquivo pessoal

Rapidamente Lais conquistou várias clientes e chegou a vender 60 cartelas por semana. Com a crise, hoje vende 15, a R$ 7 mais o frete.
— São guerreiras que querem homenagear os amados numa data especial, como aniversário de namoro, um filho... É gratificante participar desses momentos. Sei que minhas películas já percorreram o Brasil todo.