DIREITO do preso DE SER JULGADO EM PRAZO RAZOÁVEL


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo


"PRESTE BEM ATENÇÃO NESTA POSTAGEM"
MUITOS PRESOS NO BRASIL VIVEM ESTA SITUAÇÃO...PRESO ,POR TEMPO INDETERMINADO.
DIREITO DE SER JULGADO EM PRAZO RAZOÁVEL

Recurso de Habeas Corpus n. 5.239 - BAHIA
Relator: O Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Vidigal

Recorrente: Robertto Lemos e Correia

Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

Paciente: J. M. V.



Penal. Processual. Tentativa de homicídio. Pronúncia. Súmula n. 21-STJ. Excesso de prazo no julgamento. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Concessão ex officio. Habeas Corpus. Recurso.

1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no Brasil através do Decreto n. 678/92, consigna a idéia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.

2. A jurisprudência tem sido rigorosa no que diz respeito ao excesso de prazo na instrução criminal, ficando, porém, inerte no que pertine ao próprio julgamento.

3. Considerando que o paciente aguarda seu julgamento, preso e sem data marcada, há pelo menos 1 (um) ano da data da pronúncia, configurado está o constrangimento ilegal ao seu direito de ir e vir.

4. Recurso improvido. Concessão da ordem ex officio.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso e conceder a ordem ex officio, nos termos do voto do Ministro Relator. Votaram com o Relator os Ministros José Dantas e Cid Flaquer Scartezzini. Ausente, justificadamente, o Ministro Assis Toledo.

Brasilia-DF, 7 de maio de 1996 (data do julgamento)

Ministro Edson Vidigal, Relator e Presidente (em exercício)

Relatório

O Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Vidigal: Já se passaram dois (2) anos, feitos no mês passado, que J. M. V., 20 (vinte) anos, lavrador, festejando seu aniversário na Boite Tatu, povoado Nova Esperança, em Várzea do Poço, Bahia, desentendeu-se com C. A. S., 15 (quinze) anos, sua namorada.

Bêbados os dois e ele, além disso, muito apaixonado porque ela ameaçou romper o romance, discutiram, se atracaram, resultado ele acabou riscando-a com a ponta de uma faca conhecida como "sete tostões", muito usada para descascar laranja.

O laudo do exame de corpo delito registrou ferimento cicatrizado e parestesia, ou seja, formigamento no ombro esquerdo.

Mas J. V. teve prisão preventiva decretada, foi denunciado por homicídio (CP, art. 121, § 2º, III (meio cruel) c/c o art. 14, II) e está preso até hoje, desde 30 de julho de 1994, na Cadeia Pública, em condições, segundo a impetração, desumanas:



"É sabido por todos de Várzea do Poço que a Prefeitura não fornece alimentação aos presos com regularidade e, assim, o Paciente tem literalmente passado fome.

E de fome só não morreu porque a caridade e a solidariedade daquela população não lhe nega um diário prato de comida. O local de custódia é fétido, escuro e sem arejamento. Lembra bem as celas medievais contra as quais o Marquês de Beccaria se insurgira. E o homem está lá como um rato, esquecido pela crueza dos sentimentos da sociedade."

A alegação de excesso de prazo foi superada pela sentença de pronúncia proferida pela Juíza, segundo informação de 23 de agosto de 1995, após a impetração do habeas corpus em 31 de julho do mesmo ano. E por isso, o Tribunal de Justiça da Bahia denegou a ordem.

Neste Recurso o impetrante lembra que o Ministério Público estadual opinou pelo deferimento da ordem e pede a reforma do Acórdão, ressaltando a condição de miserável do ora paciente, sem defesa suficiente, portanto, assistido judicialmente por cota de caridade. Conclui assim:

"Os 435 dias que o paciente cumpriu em prisão, sem ao menos ser condenado, totalizam tempo maior ao que estaria obrigado a cumprir, fosse condenado nas penas do tipo em que deve ser enquadrado o fato, de lesões corporais leves. Desconsidere-se, até mesmo o atenuante de, ao tempo do fato ser menor de idade, de haver colaborado com a instrução criminal, de ser primário e de ter bons antecendentes. Ainda assim, caso a Justiça tivesse se operado com a celeridade que dela se espera, notadamente em se tratando da liberdade da pessoa, e se tivesse condenado o Réu à pena máxima do crime de lesões corporais leves, ele deveria estar em liberdade por haver cumprido integralmente sua pena".

O Ministério Público Federal, nesta instância, invocando a Súmula n. 21 desta Corte, opina pelo improvimento do Recurso.

Relatei.

Voto

O Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Vidigal: Senhor Presidente, o jovem lavrador que, enciumado, brigou com a namorada porque ela o ameaçou dizendo que não o queria mais, teve prisão preventiva decretada, segundo o Juiz à época, "para assegurar a aplicação da Lei Penal e por garantia da ordem pública." (CPP, art. 312).

Isto foi no dia 15 de abril de 1994.

O ora paciente, que sendo lavrador no povoado Nova Esperança, não morava na sede do Município de Várzea do Poço, BA, foi recolhido à Cadeia Pública no dia 30 de julho de 1994, portanto há quase dois (2) anos.

A sentença de pronúncia, encampando a prisão preventiva saiu em 4 de agosto de 1995, ou seja quase um ano depois; aliás, no mês seguinte à impetração do habeas corpus por excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal.

Diz o impetrante que alguém avisou lá e por isso a Juíza, substituta, acorreu com a pronúncia.

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia denegou a ordem por entender, como se tem entendido, sempre, que a sentença de pronúncia supera a alegação de excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal.

Onze (11) meses, quase um (1) ano, portanto, foram necessários para se formalizar numa sentença contra o ora paciente a acusação de homicídio tentado num caso em que os laudos periciais proclamam ser de leves lesões corporais.

Homicídio tentado ou simples lesões corporais – não é essa a questão que se examina, até porque o pedido originário não cogitou disso.

O que desponta aqui é o atrito entre as normas processuais penais aplicáveis e um bem maior – o sentimento de Justiça que, diante do formulário técnico-procedimental, fica nanico, sem cobertura formal para desafiar e vencer a injustiça.

O acusado destes autos está preso há quase dois anos; só depois de mais de um ano sem liberdade, veio a saber formalmente de que acusação tem que se defender perante o Estado-Juiz.



("O mal da justiça humana – protestava, irônico, Monteiro Lobato, da prisão onde foi jogado pela ditadura do Estado Novo; o mal da justiça humana está na falta de uma lei que vou fazer quando for ditador: todos os juízes, depois de nomeados e antes de entrar no exercício do cargo, têm de gramar dois anos de cadeia, um de penitanciária e um de cela, a pão e água e nu em pelo. Não há nada mais absurdo do que o poder dado a um homem de condenar outros a uma coisa que ele não conhece: a privação da liberdade".)1

Pouco antes de completar cem dias na prisão já poderia ter sido solto, por excesso de prazo para a formação da culpa. Não apareceu ninguém que, denunciando essa injustificável demora, impetrasse em seu favor uma ordem de habeas corpus, no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

E quando apareceu, mais de um ano depois, por aqueles rincões baianos, um advogado da Capital com essa idéia, foi que o Estado-Juiz despertou para fazer a sentença de pronúncia, após a impetração do habeas corpus e antes do julgamento do pedido.

A sentença de pronúncia, reza a Súmula n. 21-STJ, afasta a alegação de excesso de prazo. Pedido inviabilizado. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, o procedimento é bifásico; a primeira fase começa com o recebimento da denúncia e termina exatamente aí, na sentença de pronúncia, após a qual engata-se a segunda fase que só se acaba quando do trânsito em julgado da sentença do Juiz-Presidente do Júri.

Pronunciado o Réu, não se fala mais em excesso de prazo para a formação da culpa. Para cada momento processual há um prazo legal; oitenta e um dias (81), por exemplo, é o prazo razoável admitido pela jurisprudência para a conclusão de toda instrução criminal. E não se pode falar em excesso de prazo para a realização do julgamento?

Está agora o acusado, ora paciente, há quase dois anos na cadeia, regime fechado, sem saber quando vai ser julgado e, nos termos do direito processual até agora entendido, numa visão limitada pela jurisprudência cristalizada, não há excesso de prazo. A sentença de pronúncia superou essa alegação.

Como não há excesso de prazo nessa espera do acusado para o julgamento? Não tem ele o direito a ser julgado sem demora pelo Estado-Juiz, no máximo dentro de um prazo razoável? Mais de um ano na cadeia sem saber sequer quando vai ser julgado não é um excesso de prazo configurador de constrangimento ilegal reparável por habeas corpus?

Nosso direito processual penal ainda ignora essa hipótese. Nossa jurisprudência, sem esconder a timidez, apenas assiste, da arquibancada, ao desfile, na passarela das injustiças, de situações deploráveis como esta.

O direito processual não pode ser mais que uma listagem de ritos destinados a garantir a aplicação da lei de maneira igual para todos; não pode ser um conjunto de entraves à pronta realização da Justiça.

Socorre ao ideal de Justiça, em situações como esta, o direito internacional que, para a proteção da liberdade das pessoas nos resta invocar, ante à ausência de lei específica, para proteção da liberdade.

A Constituição Federal vigente não afastou e tanto a doutrina predominante no País quanto a jurisprudência atualizada do Supremo Tribunal Federal asseguram a equivalência dos Tratados ou Convenções a leis federais. Tratados ou Convenções só não têm essa força quando conflitam com a Constituição; aí vale o que está escrito na Constituição.

E o que diz a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que nos termos do Decreto n. 678/92 está em vigor no Direito Interno Brasileiro desde 9 de novembro de 1992?

Diz:
"Artigo 7 - Direito à liberdade pessoal.

Omissis

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um Juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção ou ordene sua soltura se a prisão ou detenção forem ilegais (...)".

A única ressalva que o Brasil fez ao texto desta Convenção, não se comprometendo, portanto, a cumprir diz respeito aos artigos 43 e 48, "d", que tratam do direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nessas hipóteses, o Brasil reserva-se ao direito de ser ouvido antes para, examinando cada pedido, autorizar ou não. Apenas isso; quanto aos mais, é lei federal em vigor no País.

Como a decisão recorrida, escorada na Súmula n. 21-STJ, recusa a alegação de excesso de prazo apenas quanto à conclusão da instrução criminal – e foi este fundamento legal do pedido originário – nego provimento ao recurso.

Resta, ainda bem, um porém.

É que considerando que a privação da liberdade por mais um ano, a título de prisão provisória, fere o direito de todo ser humano a ser julgado por Tribunal estatal num prazo razoável, consignado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, artigo 7, item 5, a qual, adotada pelo Brasil vigora no direito interno com força de lei federal; considerando que o ora paciente está preso há quase dois anos sem data marcada para julgamento; entendendo que isto também é excesso de prazo configurador de constrangimento ilegal reparável por habeas corpus, concedo o

habeas corpus ex officio
para determinar a imediata soltura do Réu ora paciente a fim de que aguarde o julgamento em liberdade.

É o voto.

VOTO

O Senhor Ministro José Dantas: Senhor Presidente, a excelência de seu voto leva-me a acolhê-lo, mesmo por que terminou em fidelidade à nossa jurisprudência. Quanto à concessão da ordem ex officio, convenha-se ser um ato de justiça, que se completa pelas particularidades do caso; por isso acompanho o voto de Vossa Excelência.

DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo


" SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE".

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu, em sessão realizada no dia 05 de fevereiro, o Habeas Corpus (HC) 84078 para permitir a um condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos (MG) que recorra emliberdade. O processo foi trazido a julgamento pelo Ministro Menezes Direito, que pediu vista do processo em abril do ano passado, quando o relator, Ministro Eros Grau, já havia votado pela concessão do HC.O processo deu entrada em março de 2004, tendo naquele mês o então relator, Ministro Nelson Jobim (aposentado), negado e posteriormente concedido liminar. Ele mudou de posição diante da explicação do paciente de que vendera seu rebanho de leite paramudar de ramo de negócios. O caso começou a ser julgado na Segunda Turma do STF, que decidiu afetá-lo ao Plenário, que iniciou seu julgamento em abril do ano passado, quando Menezes Direito pediu vista. O processo provocou prolongados debates, tendo de um lado, além de Eros Grau, os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que votaram pela concessão do HC. Foram vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que o negaram. Prevaleceu a tese de que a prisão antes da sentença condenatória transitada em julgado, contrariaria o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Já os Ministros Menezes Direito e Joaquim Barbosa sustentaram que o esgotamento de matéria penal de fato se dá nas instâncias ordinárias e que os recursos encaminhados ao STJ e STF não têm efeito suspensivo. Menezes Direito e Ellen Gracie sustentaram, também, que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário) não assegura direito irrestrito de recorrer emliberdade, muito menos até a 4ª instância, como ocorre no Brasil. Afirmaram, ainda, que país nenhum possui tantas vias recursais quanto o Brasil. Direito citou os Estados Unidos, o Canadá e a França como exemplos de países que admitem o início imediato do cumprimento de sentença condenatória após o segundo grau. Observaram, ademais, que a execução provisória de sentença condenatória serve também para proteger o próprio réu e sua família. Esta, entretanto, conforme o Ministro Celso de Mello, "não é juridicamente viável em nosso sistema normativo". Ele admitiu, no entanto, que a prisão cautelar processual é admissível, desde que fundamentada com base nos quatro pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal –garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal. Ao proferir seu voto – o último do julgamento –, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto majoritário do relator, Ministro Eros Grau. Apresentando dados, ele admitiu que a Justiça brasileira é ineficiente, mas disse que o país tem um elevado número de presos – 440 mil. "Eu tenho dados decorrentes da atividade no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que são impressionantes. Apesar dessa inefetividade (da Justiça), o Brasil tem um índice bastante alto de presos. São 440 mil presos, dados de 2008, dos quais 189 mil são presos provisórios, muitos deles há mais de dois, mais de três anos, como se tem encontrado nesses mutirões do CNJ. E se nós formos olhar por estado, a situação é ainda mais grave. Nós vamos encontrar em alguns estados 80% dos presos nesse estágio provisório [prisão provisória]"."os mutirões realizado pelo CNJ encontraram-se presos no estado Piauí que estavam há mais de três anos presos provisoriamente sem denúncia apresentada", relatou ainda o ministro. "No estado do Piauí há até uma singularidade. A Secretaria de Segurança do Estado concebeu um tal inquérito de capa preta, que significa que a Polícia diz para a Justiça que não deve soltar aquela pessoa. É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira. Muitas vezes com a conivência da Justiça e do Ministério Público"."Dos habeas corpus conhecidos no Tribunal, nós tivemos a concessão de 355", informou o presidente do STF. "Isto significa mais de um terço dos habeas corpus. Depois de termos passado, portanto, por todas as instâncias –saindo do juiz de primeiro grau, passando pelos TRFs ou pelos Tribunais de Justiça, passando pelo STJ – nós temos esse índice de concessão de habeas corpus. Entre REs e AIs [agravos de instrumento] tratando de tema criminal, há 1.749, dos quais 300 interpostos pelo MP. Portanto, não é um número tão expressivo"."De modo que eu tenho a impressão de que há meios e modos de lidar com este tema a partir da própria visão ampla da prisão preventiva para que, naqueles casos mais graves, e o próprio legislador aqui pode atuar, e eu acho que há propostas nesse sentido de redimensionar o sentido da prisão preventiva, inclusive para torná-la mais precisa, porque, obviamente, dá para ver que há um abuso da prisão preventiva", assinalou Gilmar Mendes. "O ministro Celso de Mello tem liderado na Turma lições quanto aos crimes de bagatela. Em geral se encontram pessoas presas no Brasil porque furtaram uma escova de dentes, um chinelo"."Portanto– concluiu –, não se cumprem minimamente aquela comunicação ao juiz paraque ela atenda ou observe os pressupostos da prisão preventiva. A prisão em flagrante só deve ser mantida se de fato estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva. Do contrário, o juiz está obrigado, por força constitucional, a relaxar [a prisão]. De modo que estou absolutamente certo de que esta é uma decisão histórica e importante do Tribunal."

Esta decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal já se estabeleceu como precedente para casos semelhantes na Primeira Turma. Nesse sentido, a Primeira Turma concedeu dois habeas corpus (HC 94778 e 93062) na linha do entendimento de que não é legal a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Os processos, relatados pelo Ministro Carlos Ayres Britto, buscavam a expedição de alvará de soltura, tendo em vista a decretação da prisão após condenação confirmada em segundo grau. Ao conceder a ordem, em ambos os casos, o ministro Ayres Britto ressaltou que o Plenário reconheceu que "a condenação em segundo grau não opera automaticamente" e que a pena só pode começar a ser cumprida depois do trânsito em julgado da condenação, quando não couber mais qualquer tipo de apelação ou recurso. No HC 94778, G.J.M., condenado no Espírito Santo a mais de cinco anos por roubo com uso de violência, –sentença confirmada em segunda instância, questiona a determinação de sua imediata prisão pelo Tribunal de Justiça estadual, alegando que ainda seriam cabíveis os recursos excepcionais – especial ou extraordinário. A expedição do mandado de prisão, neste caso, "afronta o princípio constitucional da presunção da inocência", sustenta a defesa de G.J.Condenado por extorsão a mais de seis anos de prisão, L.G.A.M. impetrou no Supremo o HC 96062, alegando que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de negar apelação de sua defesa e determinar sua prisão, é inconstitucional. Isso porque a defesa já teria interposto um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça e, portanto, com base na presunção de inocência, a condenação ainda não teria transitado em julgado. Fonte: STF.

Como se sabe, pela antiga regra imposta no art. 594 do Código de Processo Penal (hoje revogado), "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto."
Assim, em relação ao condenado que não fosse primário e não tivesse bons antecedentes, dois ônus a ele se impunham: a prisão automática decorrente da sentença condenatória (salvo se se livrar solto ou prestar fiança, sendo esta cabível) e a impossibilidade de recorrer se não for recolhido à prisão.
Na verdade, se nos limitássemos a interpretar literalmente este artigo chegaríamos forçosamente à conclusão que ele afrontava a Constituição (e, portanto, era inválido) quando o texto constitucional garante a presunção de inocência [01].
Ora, se o art. 5º., LVII, da Constituição proclama que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", era de todo inadmissível que alguém fosse preso antes de definitivamente julgado, salvo a hipótese desta prisão provisória se revestir de caráter cautelar, independentemente de primariedade e de bons antecedentes. Soava, portanto, estranho alguém ser presumivelmente considerado não culpado (pois ainda não condenado definitivamente) e, ao mesmo tempo, ser obrigado a se recolher à prisão, mesmo não representando a sualiberdade nenhum risco seja para a sociedade, seja para o processo, seja para a aplicação da lei penal. Mais estranho se nos afigurava ao atentarmos que aquela presunção foi declarada constitucionalmente.
Assim, uma prisão provisória, anterior a uma decisão transitada em julgado, só se revestirá de legitimidade caso seja devidamente fundamentada (art. 5º., LXI, CF/88) e reste demonstrada a sua necessidade (periculum libertatis [02]). Neste sentido, o atual art. 387, parágrafo único do Código de Processo Penal.
No mesmo passo, havia uma segunda questão: se a Constituição também assegura aos acusados em geral a ampla defesa com os recursos a ela inerentes, parece-nos também claro que uma lei infraconstitucional não poderia condicionar este direito de recorrer àquele que não tem bons antecedentes e não é primário, ao recolhimento à prisão.
Observa-se que ainda temos em vigor (mas sem validade) a regra segundo a qual "se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação." (art. 595, CPP).
Da mesma forma, igualmente soava estranho para nós não se permitir ao acusado o acesso ao duplo grau de jurisdição, quando não seja primário e não tenha bons antecedentes.
O devido processo legal deve garantir a possibilidade de revisão dos julgados. A falibilidade humana e o natural inconformismo de quem perde estão a exigir o reexame de uma matéria decidida em primeira instância, a ser feito por juízes coletivos e magistrados mais experientes.
Em França, segundo Étienne Vergès, "l´article préliminaire du Code de procédure pénale dispose in fine que ´toute personne condamnée a le droit de faire examiner sa condamnation par une autre juridiction`." [03]
A Constituição Federal prevê o duplo grau de jurisdição no seu art. 93, III ("acesso aos tribunais de segundo grau") e pressupõe, evidentemente, uma decisão judicial e a sucumbência (prejuízo).
Há mais de vinte anos, o jurista baiano Calmon de Passos mostrava a sua preocupação com "a tendência, bem visível entre nós, em virtude da grave crise que atinge o Judiciário, de se restringir a admissibilidade de recursos, de modo assistemático e simplório, em detrimento do que entendemos como garantia do devido processo legal, incluída entre as que são asseguradas pela nossa Constituição."
Neste mesmo trabalho, nota o eminente Mestre que "o estudo do duplo grau como garantia constitucional desmereceu, da parte dos estudiosos, em nosso meio, considerações maiores. Ou ele é simplesmente negado como tal ou, embora considerado como ínsito ao sistema, fica sem fundamentação mais acurada, em que pese ao alto saber dos que o afirmam, certamente por força da larga admissibilidade dos recursos em nosso sistema processual, tradicionalmente, sem esquecer sua multiplicidade."[04]
Não esqueçamos que a "adoção do duplo grau de jurisdição deixa de ser uma escolha eminentemente técnica e jurídica e passa a ser, num primeiro instante, uma opção política do legislador."[05]
O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8º., 2, h, que todo acusado de delito tem "direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior", e tendo-se em vista o estatuído no § 2º., do art. 5º., da CF/88, segundo o qual "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que "toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei."
É bem verdade que a doutrina se debate a respeito da posição hierárquica que ocupam as normas advindas de tratado internacional. Parte dela entende que caso a norma internacional trate de garantia individual, terá ela status constitucional, até por força do referido § 2º.
Fábio Comparato, por exemplo, informa que "a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de expressarem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado. (...) Seja como for, vai-se afirmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflitos entre regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico" [06]: é o chamado princípio da prevalência da norma mais favorável. [07]
Ada, Dinamarco e Araújo Cintra, após admitirem a indiscutível natureza política do princípio do duplo grau de jurisdição ("nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles") e que ele "não é garantido constitucionalmente de modo expresso, entre nós, desde a República", lembram, no entanto, que a atual Constituição "incumbe-se de atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição (art. 102, II; art. 105, II; art. 108, II), prevendo expressamente, sob a denominação de tribunais, órgãos judiciários de segundo grau (v.g., art. 93, III)." [08]
Com a Emenda Constitucional nº. 45, temos uma nova disposição constitucional, contida no art. 5º., § 3º., da Constituição Federal, segundo a qual "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais."
Aliás, segundo Luiz Flávio Gomes, em razão "do pensamento do Estado Moderno, da Revolução Francesa, do código napoleônico, onde reside a origem da confusão entre lei e Direito; os direitos e a vida dos direitos valeriam (exclusivamente) pelo que está escrito na lei; quando o correto é reconhecer que a lei é só o ponto de partida de toda interpretação (que deve sempre ser conforme a Constituição). A lei pode até ser, também, o ponto de chegada, mas sempre que conflita com a Carta Magna, perde sua relevância e primazia, porque, nesse caso, devem ter incidência (prioritária) as normas e os princípios constitucionais. A lei, como se percebe, foi destronada. Mesmo porque, ao contrário do que pensava Rousseau, o legislador não é Deus e nem sempre representa a vontade geral, ao contrário, com freqüência atua em favor de interesses particulares (ou mesmo escusos). Lei vigente, como se vê, não é lei válida. Sua validez decorre da coerência com o texto constitucional." [09]
Vejamos, outrossim, estas observações de Dante Bruno D’Aquino:
"Como sua própria designação denota, a interpretação conforme a Constituição pressupõe um trabalho de exegese da norma infraconstitucional. Fundamenta-se, em primeiro plano, na superioridade hierárquica das normas constitucionais. Ou seja, no princípio pelo qual todas as normas devem se compatibilizar com a Constituição, encontrando nela, como já ressaltado por Kelsen, o seu fundamento de validade. Ao lado do primado da superioridade hierárquica das normas constitucionais está a presunção de legalidade da atividade legiferante do poder público. Esta presunção de legalidade, que, ressalte-se, admite prova em contrário, é o outro alicerce de alçada da interpretação conforme a Constituição. Noutro dizer, a superioridade hierárquica da Constituição Federal e a presunção de legalidade das leis demandam que, no exercício da atividade interpretativa, dê-se preferência ao sentido normativo que esteja consentâneo com a Carta Constitucional. (...) Importante constatar que a interpretação conforme a constituição, para além de uma categoria interpretativa distinta das modalidades clássicas, constitui um eficaz mecanismo de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. Ao identificar a interpretação mais harmônica com a Constituição, afasta da norma a possibilidade de interpretações que surtam efeitos inconstitucionais." [10]
Se temos a garantia constitucional da presunção de inocência, é evidente que não pode ser efeito de uma sentença condenatória recorrível, pura e simplesmente, um decreto prisional, sem que se perquira quanto à necessidade do encarceramento.
Como sabemos, entre nós, cabível será a prisão preventiva sempre que se tratar de garantir a ordem pública [11], a ordem econômica, ou por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. São estes os requisitos da prisão preventiva e que configuram exatamente o periculum libertatis. Estes requisitos, portanto, representam a necessidade da prisão preventiva, que não é outra coisa senão uma medida de natureza flagrantemente cautelar, pois visa a resguardar, em última análise, "a ordem pública", a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (há, ainda, os pressupostos desta prisão, que não nos interessam no presente estudo [12]).
Se assim o é a prisão será uma decorrência de uma sentença condenatória recorrível sempre que, in casu, for cabível a prisão preventiva contra o réu, independentemente de sua condição pessoal de primário e de ter bons antecedentes; ou seja, o que definirá se o acusado aguardará preso ou em liberdade o julgamento final do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitos acima referidos.
Conclui-se que a necessidade é o fator determinantepara alguém aguardar preso o julgamento final do seu processo, já que a Constituição garante que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
Por outro lado, como a ampla defesa (e no seu bojo a garantia do duplo grau de jurisdição) também está absolutamente tutelada pela Carta Magna, não se pode condicionar a admissibilidade da apelação ao recolhimento do réu à prisão, mesmo que ele não seja primário e não tenha bons antecedentes. Aqui, vamos, inclusive, mais além: mesmo que a prisão seja necessária (e se revista, portanto, da cautelaridade típica da prisão provisória), ainda assim, admitir-se-á o recurso, mesmo que não tenha sido preso o acusado, ou que, após ser preso, venha a fugir.
Observa-se que, agora, mesmo sendo cabível o encarceramento provisório (por ser, repita-se, necessário), o não recolhimento do acusado não pode ser obstáculo à interposição de eventual recurso da defesa, e se recurso houver, a fuga posterior não lhe obstará o regular andamento (não pode ser considerado deserto), pois "a garantia do duplo grau de jurisdição assegura o conhecimento e o julgamento da apelação mesmo que o Estado não alcance êxito na recaptura do acusado." [13]
Não concordamos, outrossim, que a exigência da prisão pararecorrer fosse uma "regra procedimental condicionante do processamento da apelação", como pensa Mirabete [14], pois, como contrapõe Luiz Flávio Gomes, "se não ofende a presunção de inocência ou a ampla defesa, indiscutivelmente ofende o princípio da necessidade de fundamentação da prisão, inscrito no art. 5º., LXI"[15], mesmo porque "os princípios que disciplinam o cabimento das prisões cautelares são radicalmente distintos dos princípios que regulam a interposição, a admissibilidade, o conhecimento e o julgamento dos recursos."[16]
Vê-se que não optamos pela interpretação literal do art. 595 [17], o que seria desastroso, tendo em vista as garantias constitucionais acima vistas. Por outro lado, utilizamo-nos do critério da interpretação conforme a Constituição, procurando adequar o texto legal com o Texto Maior e evitando negar vigência ao dispositivo, mas, antes, admitindo-o válido a partir de uma interpretação garantidora e em consonância com a Constituição. Relembremos que "não se pode interpretar a Constituição conforme a lei ordinária (gesetzeskonformen Verfassunsinterpretation). O contrário é que se faz." [18]
Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, "a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (...) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codicecom a cara do regime (...) " [19]
Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, "a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas." [20] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Como magistralmente escreveu Frederico Marques, a Constituição Federal "não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico. A conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todos."[21]
Devemos atentar que o art. 595 foi inserido em nosso código processual penal pela Lei nº. 5.941/73, época em que vigiam em nosso País a Constituição anterior a 1988 (que não trazia o princípio da presunção de inocência) e um regime político não democrático.
Naquele contexto histórico, portanto, fácil era entender que uma lei ordinária viesse a dificultar o direito ao recurso e a prever a prisão automática decorrente de sentença condenatória recorrível. Bastava a sentença condenatória e a prisão impunha-se automaticamente, por força de lei, presumindo-se a culpabilidade ou a periculosidade do réu. [22]
Ocorre que desde 1988 temos outra Constituição, com outros princípios, muitos dos quais expressamente previstos (o que não impede a existência de princípios constitucionais implícitos, como, v.g., o da proporcionalidade). A lei anterior, então, tem que ser interpretada segundo este critério, ou seja, em conformidade com a nova ordem constitucional (sob pena de ser considerada não recepcionada e, logo, inválida), evidentemente sem ultrapassar o seu sentido literal, apenas conformando-a com a Constituição.
Hoje, contudo, conforme ensina Boschi, "o réu tem o direito subjetivo público de apelar em liberdade – mesmo não sendo primário e de bons antecedentes -, porque a suspensividade é uma qualidade ínsita aos recursos criminais da defesa." [23]
Como dissemos, no tempo em que foi inserida em nosso sistema jurídico, a lei traduzia, em verdade, o momento histórico em que vivia o País, cabendo, por isso mesmo, atentarmos, agora, para o elemento histórico-teleológico (concepção subjetivista da interpretação, ou teoria da vontade), segundo o qual a lei obedece ao tempo em que foi intencionalmente(finalisticamente) concebida, devendo ser interpretada preferencialmente em conformidade com aquela realidade.
James Goldshimidt [24] já afirmava no clássico "Problemas Jurídicos e Políticos del Proceso Penal" que a estrutura do processo penal de um país indica a força de seus elementos autoritários e liberais. [25]
Devemos, então, buscar abrigo neste elemento histórico, acomodando a lei às "novas circunstâncias não previstas pelo legislador", especialmente aos "princípios elevados a nível constitucional". [26]
Só poderíamos interpretar este artigo literalmente se este modo interpretativo fosse possível à luz da Constituição. Por outro lado, não entendemos ser o caso de, simplesmente, reconhecer inválida a norma insculpida naquele artigo de lei. A nós nos parece ser possível interpretá-la em conformidade com o texto constitucional, sem que se o declare inválido e sem "ultrapassar os limites que resultam do sentido literal e do contexto significativo da lei." [27]
Se verdade é que "por detrás da lei está uma determinada intenção reguladora, estão valorações, aspirações e reflexões substantivas, que nela acharam expressão mais ou menos clara", também é certo que "uma lei, logo que seja aplicada, irradia uma acção que lhe é peculiar, que transcende aquilo que o legislador tinha intentado. A lei intervém em relações da vida diversas e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio. Adquire, com o decurso do tempo, cada vez mais como que uma vida própria e afasta-se, deste modo, das idéias dos seus autores." (grifo nosso): teoria objetivista ou teoria da interpretação imanente à lei. [28]
A interpretação literal efetivamente deve ser o início do trabalho, mas não o completa satisfatoriamente. [29] Como nos ensina o Professor Miguel Reale, "a norma é sempre momento de uma realidade histórico-cultural, e não simples proposição afirmando ou negando algo de algo. (...) Se a regra jurídica não pode ser entendida sem conexão necessária com as circunstâncias de fato e as exigências axiológicas, é essa complexa condicionalidade que nos explica por que uma mesma norma de direito, sem que tenha sofrido qualquer alteração, nem mesmo uma vírgula, adquire significados diversos com o volver dos anos, por obra da doutrina e da jurisprudência. É que seu sentido autêntico é dado pela estimativa dos fatos, nas circunstâncias em que o intérprete se encontra. (...) Dizemos, assim, que uma regra ou uma norma, no seu sentido autêntico, é a sua interpretação nas circunstâncias históricas e sociais em que se encontra no momento o intérprete. Isto não quer dizer que sejamos partidários do Direito Livre. (...) Assim, o Juiz "não pode deixar de valorar o conteúdo das regras segundo tábua de estimativas em vigor no seu tempo. (...) E, concluindo, arremata o nosso filósofo: "o reajustamento permanente das leis aos fatos e às exigências da justiça é um dever dos que legislam, mas não é dever menor por parte daqueles que têm a missão de interpretar as leispara mantê-las em vida autêntica." [30]
Carlos Maximiliano, a propósito, ensinava:
"(...) Em se tratando de normas formuladas por gerações anteriores, o juiz, embora dominado pelo intuito sincero de lhes descobrir o sentido exato, cria, malgrado seu, uma exegese nova, um alcance mais amplo, consentâneo com a época. (...) Ante a imobilidade dos textos o progresso jurídico se realiza graças à interpretação evolutiva, inspirada pelo progredir da sociedade." [31]
Vê-se que "las leyes son e deben ser la expresión más exacta de las necesidades actuales del pueblo, habida consideración del conjunto de las contingencias históricas, en medio de las cuales fueron promulgadas." (grifo nosso) [32]
Atenta-se, com Maximiliano, que o "Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio."[33]
Portanto, encontra-se inteiramente superada o Enunciado 267 da súmula do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 267, segundo a qual "a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão". 



Como fazer Pedido de reabilitação criminal


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo






Pedido de reabilitação criminal.


EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ....., ESTADO DO .....

....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., em favor próprio, amparado pelos termos do artigo 5º da constituição federal de 1.988,vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência requerer

REABILITAÇÃO CRIMINAL

pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS
Nos autos do processo crime nº ............, que teve seu trâmite perante esse I. Juízo, o requerente foi condenado na data de ...... de .......... de ........., à pena de .. (...) anos de reclusão e .... (...) , porque incurso no art. ......., caput, do Código Penal, sendo concedido livramento condicional/sursis/regime aberto /prisão albergue domiciliar. A respeitável sentença transitou em julgado em 1º de abril de 1991.


DO DIREITO

Acontece, que nos termos do art. 94 do Código Penal, é direito do condenado requerer a reabilitação criminal, decorridos dois anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena.

No caso presente , já se passaram mais de ... (...) anos da prolação da sentença condenatória e mais de ... (...) anos, da declaração da extinção da punibilidade da pretensão executória em relação à pessoa do requerente, o que lhe dá direito ao pedido de reabilitação, de conformidade com o art. 743 e seguintes, do Código de Processo Penal.

O requerente, desde a condenação até a presente data, tem demonstrado efetivamente manter um bom comportamento público e privado, conforme se observa pelos inclusos Atestados de Antecedentes Criminais e Certidões Judiciais (negativos), a par das declarações firmadas por duas pessoas, com firma reconhecidas, dando conhecimento que o requerente é boa pessoa.

DOS PEDIDOS

Posto isso, requer digne-se Vossa Excelência, de reabilitar o requerente, ..................., da condenação imposto nos autos do processo crime nº ..........., que teve seu regular trâmite perante esse I. Juízo.

Requer outrossim: i) a oitiva do DD. Membro do Ministério Público; ii) a distribuição do pedido, em apenso aos autos do processo crime nº ......... - .....ª Vara Criminal da Comarca de ........... iii) após a acolhida do pedido, a expedição de ofício ao Instituto de Identificação e Estatística, cientificando o órgão da concessão da reabilitação, para adoção das medidas pertinentes.

Nesses Termos,
Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura do Paciente].Pleiteante.



Presidente do CNJ quer informações do governo de SP sobre carceragens .


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo


Presidente do CNJ quer informações do governo de SP sobre carceragens .
                    
Luiz Silveira/Agência CNJ
Presidente do CNJ quer informações do governo de SP sobre carceragens




















O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, enviou ofícios ao governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e ao secretário estadual da Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, em que trata da permanência irregular de cerca de 5.600 presos em delegacias da Polícia Civil. Nos documentos, o ministro considera o problema preocupante e solicita que o governo informe, no prazo de 30 dias, sobre a existência de eventual cronograma de desativação dessas carceragens.
O ministro Ayres Britto encaminhou os ofícios no último dia 5, após receber relatório de inspeções realizadas pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF) em seis carceragens do estado.
As inspeções ocorreram no período de 13 a 21 de setembro, com a participação do conselheiro Fernando da Costa Tourinho Neto, supervisor do DMF, e de juízes do departamento. No município de São Paulo, foram inspecionadas carceragens de três distritos policiais: do 89º, do 72º e do 40º. No Guarujá, os inspetores estiveram na carceragem do 1º DP; em Santos, no 5º DP; em Cotia, na Delegacia-Geral do município.
Nas unidades visitadas foram encontrados problemas como superlotação, péssimas condições de higiene, presos provisórios junto a condenados, deficiências na atenção à saúde e na assistência jurídica. “O panorama encontrado é preocupante, devo dizê-lo, uma vez que se constatou a existência irregular de presos provisórios, além de presos definitivos, em cumprimento de pena nos regimes fechado e semiaberto. Registrou-se, também, falta de acesso às condições mínimas e superlotação”, escreveu o ministro Ayres Britto.
Durante as inspeções, os magistrados do CNJ reiteraram que as delegacias não são destinadas à custódia de presos, devendo atuar apenas como unidades intermediárias, de onde os detentos devem ser imediatamente encaminhados a centros de detenção provisória e presídios. Como não foram criadas e estruturadas para a função que hoje desempenham, as delegacias ficam vulneráveis a tentativas de fuga e de resgate de presos e não dispõem das mínimas condições de promover a reinserção social dos internos.
O CNJ realizou as inspeções para verificar se o governo de São Paulo havia cumprido a meta de desativar as carceragens das delegacias até agosto passado. O compromisso foi assumido em dezembro de 2011, ao final do mutirão carcerário do CNJ no estado, quando se constatou a presença de 6 mil presos em delegacias.
Além do CNJ, o Ministério Público do Estado de São Paulo tomou providências em relação ao problema: a Promotoria de Direitos Humanos e Saúde Pública ajuizou ação civil pública contra o governo do estado com o objetivo de proibir o ingresso de presos em delegacias. A ação também propõe a transferência dos internos para centros de detenção provisória ou presídios, a adequação das delegacias para abrigar presos provisórios e a construção de novas unidades prisionais.