Falta de vagas pode levar 23 mil do semiaberto à prisão domiciliar


ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo


FINALMENTE AGUMA COISA BOA NESTE TAL MENSALÃO...


26/04/2013 17h25- Atualizado em 26/04/2013 17h38

Falta de vagas pode levar 23 mil do semiaberto à prisão domiciliar

Regra já é adotada por alguns juízes; STF vai decidir se valerá para todos.
Maioria ainda fica no regime fechado, onde preso é 'animal', afirma detenta.



A falta de vagas no sistema prisional pode levar 23 mil condenados do regime semiaberto em todo o país para a prisão domiciliar. No regime semiaberto, o preso trabalha em colônias agrícolas ou industriais, segundo determina o Código Penal.
Mas, devido à falta de vagas em colônias, muitos ficam em alas especiais dentro de presídios, deixam o local durante o dia para trabalhar e retornam à noite para dormir. Mas mesmo nessas alas, há superlotação – está em gestação no governo um plano para reduzir a superlotação em presídios.
Na prisão domiciliar, o condenado fica em casa e tem de se apresentar periodicamente à Justiça.
[No regime fechado], você é tratado pior do que um animal. Tem muitos até que pensam que, por você estar dentro do sistema carcerário, têm o direito de te difamar, agredir com palavras e às vezes até mesmo com agressão física."
Juliana (nome fictício), detenta do semiaberto no DF
O total de presos que podem ser beneficiados com a transferencia para a prisão domiciliar corresponde ao déficit de vagas em estabelecimentos próprios para cumprimento da pena no semiaberto, segundo dados do Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça.
Atualmente, quando não há vagas no semiaberto, a maioria dos juízes opta por deixar o preso em regime fechado, segundo especialistas .
Alguns magistrados, porém, liberam os detentos para cumprimento da pena em casa. Enquanto um segmento diz que autorizar prisão domiciliar incentiva a impunidade, outra corrente considera injusto que presos fiquem em regime mais duro quando têm o direito ao semiaberto.
Para tentar uniformizar a regra diante da polêmica, já que a lei não estabelece o que fazer em caso de falta de vagas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes convocou para o fim de maio audiência pública com diversos especialistas. Eles vão discutir se esses presos devem ir para prisão domiciliar ou ficar no regime fechado, onde também há déficit de vagas.
Mendes é relator de recursos que têm "repercussão geral" – quando a decisão tomada pelo Supremo terá de ser adotada por juízes de todos os tribunais. Após a audiência pública, Gilmar Mendes levará a discussão para o plenário do STF, que dará uma decisão final.
A administração do sistema prisional cabe aos governos estaduais. No entanto, além da iniciativa do Judiciário para tentar driblar o problema da falta de vagas, o governo federal também deve apresentar no mês que vem um pacote de ações, que prevê melhorias na estrutura física das penitenciárias e mudança na legislação penal. O objetivo é reduzir o déficit de vagas e melhorar a qualidade de vida dos presos.

Quem pode se beneficiar ?

O semiaberto vale para o condenado a penas entre quatro e oito anos de prisão – punição que pode ser estipulada para crimes como roubo mediante grave ameaça, estelionato e corrupção, por exemplo – 11 condenados no julgamento do mensalão devem cumprir pena no semiaberto.
Há os casos também de presos condenados por crimes mais graves no regime fechado, como homicídio, que obtêm direito de progressão para o semiaberto após cumprimento de parte da pena.
A população carcerária no Brasil é de 548 mil pessoas, segundo dados do Infopen atualizados em dezembro do ano passado. Desse total, 74.647 estão no regime semiaberto. No entanto, a capacidade das 74 colônias agrícolas e industriais do país é de 51.492 vagas – déficit, portanto, de 23.155 vagas.


As detentas Vania (esq.) e Juliana (nomes fictícios), condenadas em regime semiaberto, trabalham na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap) (Foto: Murilo Salviano / G1)As
detentas Vania (esq.) e Juliana (nomes fictícios), condenadas em regime semiaberto, trabalham na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap) (Foto: Murilo Salviano / G1)


Trabalho no semiaberto
A detenta do Distrito Federal Juliana (o nome é fictício e foi escolhido por ela para preservar sua identidade), de 22 anos, cumpre pena em regime semiaberto após passar 11 meses no fechado.
Ao contrário de milhares de detentos do país, ela conseguiu uma vaga, mas relata conhecer vários casos de presos que já têm direito de mudar do fechado para o semiaberto, mas não conseguem.
Ela diz que o período de pena no fechado foi "horrível" e repleto de "humilhações". "[No regime fechado], você é tratado pior do que um animal. Tem muitos até que pensam que, por você estar dentro do sistema carcerário, têm o direito de te difamar, agredir com palavras e às vezes até mesmo com agressão física. [...] Quando você está no sistema fechado você não vive, você vegeta, porque é todo dia a mesma rotina."
Atualmente, Juliana trabalha na Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap). Ela diz sentir que está recomeçando.
"É uma sensação que a cada dia você fica: ‘Caramba, amanhã eu vou trabalhar, vou acordar cedo’. Aí, quando dá a hora de você ir embora você diz: ‘Poxa, já acabou’. É uma sensação inesquecível, inexplicável."
Assim como em todo o sistema prisional, o déficit de vagas no semiaberto feminino é bem inferior ao do masculino. Para mulheres, há 3,94 mil vagas e 4,7 mil presas. Para homens, são 47,5 mil vagas e 69,8 mil presos.
Somente no Distrito Federal, o CNJ afirma que são mais de 850 presos que estão no regime fechado à espera de vaga no semiaberto.
O que não se pode fazer é que todos, por falta de vagas, recebam prisão domiciliar. Entendo que não pode ser beneficiário da prisão domiciliar o preso reincidente e o que cometeu crime hediondo"
Luciano Losekan, coordenador do sistema carcerário do CNJ

Prisão domiciliar obedecendo critérios.
Na avaliação do coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciano Losekan, todos os presos deveriam ter a mesma possibilidade de Juliana para recomeçar, mas isso não retrata a realidade da maioria, afirma.

Losekan é favorável à migração do semiaberto para prisão domiciliar "desde que isso seja feito com critério".
"O que não se pode fazer é que todos, por falta de vagas, recebam prisão domiciliar. Entendo que não pode ser beneficiário da prisão domiciliar o preso reincidente e o que cometeu crime hediondo."
O coordenador do CNJ explica que muitos detentos do semiaberto são réus primários e praticantes de pequenos delitos. Ele pondera, no entanto, que "prisão domiciliar sem fiscalização de nada adianta".
Luciano Losekan frisa que, na falta de vagas, são registradas situações "esdrúxulas", como um juiz autorizar prisão domiciliar para quem matou uma pessoa ou manter em regime fechado, com presos perigosos, quem cometeu um furto.
"Aí, pode ocorrer a injustiça, o desrespeito ao direito do preso. De ficar aguardando uma vaga no fechado. No último mutirão carcerário, de 2011, verificamos 11 mil homens nessa condição. Isso é injusto. Gera ódio e revolta entre os presos."
Não podemos ir para uma solução que acabe tornando inefetiva e ineficaz uma decisão judicial"
Roberto Gurgel, procurador-geral da República

Defensoria x Ministério Público
O defensor público-geral da União, Haman Córdova, é a favor de se garantir a prisão domiciliar sempre que não houver vaga. O defensor público presta assistência jurídica para pessoas que não podem pagar um advogado particular.

"O ideal seria que tivéssemos vaga no semiaberto. Mas temos um déficit de 200 mil vagas em todo o sistema. Isso implica dizer que os governos federal e estaduais precisam construir novos presídios. Agora, enquanto isso não vem, precisamos arranjar uma solução, que não é deixar no regime mais gravoso. Na nossa visão de defesa, o apenado não pode pagar pela falha do próprio Estado, por mais grave que seja o crime que cometeu."

 O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestou preocupação com a possibilidade de a prisão domiciliar favorecer a impunidade.
"É algo que precisa ser examinado sempre no cenário que coloco da efetividade da tutela penal. Não podemos ir para uma solução que acabe tornando inefetiva e ineficaz uma decisão judicial", aifrmou.

Audiência pública
Com opiniões divergentes, CNJ, Ministério Público e Defensoria participarão da audiência pública sobre o tema que ocorrerá no Supremo no fim de maio.

O ministro do STF Gilmar Mendes afirmou  que o semiaberto é um "problema". "O regime exige colônia agrícola ou industrial, mas não há vaga. O juiz acaba liberando ou mantendo a pessoa no regime fechado. Daí vem a queixa."
Segundo Gilmar Mendes, a audiência vai "chamar atenção" para o problema. "A parcela sobre construção de presídios é toda do Executivo, mas vamos discutir o que os juízes podem fazer."
Há quase dois anos presa e atualmente cumprindo pena no semiaberto, a detenta Vânia (o nome foi alterado a pedido da presa), de 50 anos, tem opinião formada sobre o tema.
"Eles deveriam analisar de interno para interno. Se não tem problemas no sistema nem no trabalho, então, claro que tem ir para casa, para a prisão domiciliar. Agora, há pessoas que sinceramente nem merecem. Tem pessoas que continuam convivendo com drogas, fazendo coisas erradas."
Para Vânia,  durante seu expediente de trabalho na Funap, o sistema prisional favorece que a pessoa continue no crime.
"A gente cai num lugar desses, e se a gente não tiver Deus e uma boa cabeça, a pessoa pode até piorar convivendo com pessoas que continuam no crime, que mexeram com coisas erradas."