ONG Pacto Social & Carcerário São Paulo
Na Bahia, um homem ficou preso por mais de dois anos, sem julgamento, acusado de ter aplicado trote telefônico na polícia. A pena máxima em casos como esse é de seis meses de prisão – um quarto do tempo que ele já passara encarcerado.
· Até novembro do ano passado, os quase 5 mil presos do Presídio Aníbal Bruno, em Pernambuco, um prédio com capacidade máxima para 1.400 pessoas, guardavam as chaves das próprias celas e controlavam a circulação pela cadeia.
· Até 2009, o governo do Espírito Santo mantinha presos em contêineres.
O programa Mutirão Carcerário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não apenas revelou casos escabrosos como esses. Ele expôs uma sequência de falhas do Poder Público que relegaram milhares de brasileiros a péssimas condições de sobrevivência em cadeias pelo país, sem que seus casos jamais tivessem ido a julgamento. Nos últimos dois anos, quase 22 mil pessoas, indevidamente presas e esquecidas pela Justiça, foram soltas de presídios e delegacias vasculhados pelo Mutirão em 24 Estados e no Distrito Federal. Mais de 295 mil processos judiciais foram analisados. A iniciativa tornou-se um exemplo da integração entre diversas instituições e instâncias judiciais para levar justiça a um dos pontos mais críticos do Estado – o sistema carcerário.
O esforço foi uma das 36 experiências que, desde 2004, foram laureadas com o Prêmio Innovare. Dedicado a celebrar práticas de juízes, promotores e defensores públicos capazes de aprimorar o processo judiciário, o Innovare, ao longo de sua história, recebeu quase 2 mil inscrições de experiências em todo o Brasil. Graças ao prêmio recebido em 2010, o Mutirão Carcerário, cuja extinção era dada como certa, continuou a existir. De acordo com a cientista política Maria Tereza Sadek, esse é um dos trunfos do prêmio. Especialista em sistema judiciário, ela acaba de concluir uma pesquisa em que examina as contribuições do Innovare para a difusão de ideias que ampliam o acesso da população à Justiça, diminuem o tempo de tramitação dos processos, combatem a corrupção e pacificam a sociedade. A conclusão de Maria Tereza é que o Innovare não é apenas um prêmio. “Ele é tão importante para modernizar e combater vícios no Judiciário que eu o vejo como uma política pública em si.”
“Apenas quatro das 36 práticas premiadas pelo Innovare não permaneceram e não se expandiram para outros tribunais, promotorias ou defensorias”, diz Maria Tereza Sadek. No total, representantes de 15 Estados da Federação foram reconhecidos como inovadores – os campeões são São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Entre os de maior destaque está o juiz Marlon Reis, do Maranhão. Em 2003, Reis trabalhava no sul do Maranhão na divulgação das leis eleitorais. Reuniu alguns colegas para engajar a sociedade civil na luta contra crimes como compra de votos ou uso eleitoral da máquina administrativa. Os juízes maranhenses sofreram pressão para interromper o trabalho. Mas, com o Prêmio Innovare, recebido em 2004, a ideia de Reis ganhou força. Num esforço que envolveu até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF), o projeto de Reis levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa. Já nas próximas eleições, ela impedirá candidatos condenados por tribunais ou órgãos colegiados de concorrer a mandatos públicos. “Antes, essas eram experiências restritas a seu local de origem e que, ali, poderiam perder força e não sobreviver”, diz Maria Tereza Sadek. “Agora, o prêmio dá visibilidade a essas práticas, que passaram a ser institucionalizadas. Sem o Innovare, a situação da Justiça no Brasil estaria muito pior.”